Fundador jornalista Jerffeson de Miranda
Aos 10 de janeiro de 2018

Cidadão Repórter

(93)91472925

Santarém(PA), Quarta-Feira, 24 de Abril de 2024 - 02:55
25/09/2021 as 09:49 | Por Redação |
Conhecendo sobre o Espanta Cão da Amazônia dentro do contexto da Festa do Sairé
A inserção do grupo musical no Sairé ocorreu no período em que os próprios festeiros da vila chamam de a “retomada do Sairé”, em 1973
Fotografo: Reprodução
Dentro da festa, o grupo Espanta Cão ganha notoriedade por causa da folia do Sairé

A Festa do Sairé é uma festa que agrega vários bens culturais, como a folia, ladainha e artesanato. Seu significado representa a saudação a algo que está chegando, como na oração da Salve Rainha, uma oração muito conhecida no catolicismo, ou seja, uma festa de encontro. Então, os primeiros registros que se tem em relação a essa manifestação foi no século 17, onde as mulheres dançavam para saudar os padres e bispos que chegavam nas cidades do interior da Amazônia.  

 

Dentro da festa, o grupo Espanta Cão ganha notoriedade por causa da folia do Sairé, onde todos os integrantes do conjunto musical são foliões, mas nem todos os foliões são do Espanta Cão, eles tocam músicas da comunidade. Não é adequado considerar que o Espanta Cão seja o mais tradicional na festa do Sairé, como ele se apresenta hoje. A inserção do grupo musical no Sairé ocorreu no período em que os próprios festeiros da vila de Alter do Chão, em Santarém do Pará, chamam de a “retomada do Sairé”, em 1973. Os próprios registros históricos dos séculos 17 e 19 apontam que as presenças das folias já se davam no festejo do Sairé. 

 

O Sairé de Alter do Chão é um ritual religioso formado por duas culturas que tem o objetivo de festejar e celebrar objetos diferentes, mas com o mesmo propósito. Com a vinda dos jesuítas, a melhor maneira de agregar aos índios sua crença e catequizá-los, era permitindo que adorassem Deus da sua maneira. Porém, em 1943, houve a proibição da festa do Sairé devido os padres norte-americanos perceberem que o Sairé não era mais uma festa católica e sim uma festa profana. 

 

Eles viram que no decorrer de quando se realizava a festa de Nossa Senhora da Saúde, dia 6 de janeiro, que também começava a festa do Sairé, os moradores cultuavam mais o símbolo do Sairé do que a imagem de Nossa Senhora da Saúde, padroeira da vila balneária de Alter do Chão. Em 1973, ocorreu a retomada da festa do Sairé, resgatando a religiosidade através dos descendentes dos índios Boraris que moravam na Vila. 

 

Diante deste contexto, novos elementos foram introduzidos, como a composição dos personagens do Sairé, reelaborando a estrutura cerimonial que passa a ser dividida em três eixos que permanecem até hoje: as procissões dos mastros, que são troncos retirados da floresta que são enfeitados, erguidos e depois derrubados (busca, levantamento e derrubada); os ritos de ladainhas e folias; e, finalmente, as danças. É nessa retomada do Sairé que o conjunto Espanta Cão ganha notoriedade, devido suas notas musicais serem responsáveis, segundo os organizadores da festa, em “espantar os maus espíritos”, em “abrir caminhos para que a festa seja abençoada”, assumindo assim o papel cultural das “benzedeiras”. 

 

O Espanta Cão é figura obrigatória do Sairé. Os componentes do Espanta Cão fazem parte do rito religioso.  É importante destacar que no barracão, uma mini-igreja montada no centro da praça onde boa parte da programação da festa, na parte religiosa os integrantes são identificados como foliões, onde os instrumentos são diferentes e os cantos também, sendo cantos de reza. Fora do contexto do Sairé, são identificados como grupo Espanta Cão, vindo a tocar em um ritmo mais acelerado, pois o povo se identifica, se envolve com a batida do carimbó. 

Nenhuma descrição disponível.

Grupo Espanta Cão durante apesentação na Festa do Sairé, no ano de 2015

 

A primeira semana da Festa do Sairé, os foliões iniciam suas atividades com a busca dos mastros no Lago Verde até a praia da Guarita. Primeiro, eles participam do tradicional café da manhã na casa do primeiro coordenador do grupo, já falecido, Silvito Malaquias, em seguida, com cortejo religioso pelas ruas da Vila de Alter do Chão. O ritual prossegue com uma procissão fluvial, onde na embarcação em que o símbolo do Sairé - Santíssima Trindade - é levado, os foliões animam com cantos religiosos embalados pelos sons de percussão. Esse cantar e batucar ao Divino Espírito Santo acontece durante todo o percurso. 

 

Os mastros buscados no Lago Verde ficam na Praia da Guarita, popularmente conhecida como Praia do Cajueiro, durante aproximadamente 5 (cinco) dias. Somente na quinta-feira são levados até a Praça do Sairé para que aconteça a abertura oficial da Festa do Sairé. Neste mesmo dia, os mastros são enfeitados e depois ocorre o seu levantamento. Existe toda uma simbologia por trás dos mastros e os foliões contribuem com sua musicalidade peculiar para manter a tradição do rito religioso do Sairé. 

 

A derrubada dos mastros só ocorrerá no último dia de festa, geralmente na segunda-feira, para marcar o encerramento das festividades. Neste dia, acontecerá, também, a grande comunhão, onde cabe ao Espanta Cão animar o povo com a quebra macaxeira, macucauádesfeiteira (músicas de domínio público do folclore brasileiro, com ritmos envolventes), entre muitos outras. Durante o período festivo, todos os dias a partir das 12h e 18h, acontece o rito religioso e em todas as noites é realizada uma pequena procissão ao redor da Praça do Sairé. 

 

É importante salientar como é feita a identificação do Espanta Cão fora e no contexto do Sairé. Além das músicas que apresentam ritmos diferenciados, como relatadas no decorrer do trabalho, sua indumentária também se modifica em suas apresentações. Os foliões, conhecidos também como rufadores de caixa (pessoas que tocam e cantam hinos em devoção ao Espírito Santo. Termo associado aos foliões responsáveis pelo chamamento do povo pelo batuque nos instrumentos, além de espantar toda a energia negativa do lugar), são identificados pela calça azul, camisa branca e colete azul. Já o Espanta Cão se apresenta com uma calça na cor preta e uma camisa social na cor branca. 

 

Após o término do rito religioso, o Espanta Cão realiza as suas apresentações para o povo. Com isso, os integrantes do grupo tinham que se “descaracterizar” de foliões e assumir a “identidade” do Espanta Cão. Por baixo da camisa social branca e da calça preta, enfrentando o calor paraense, os músicos esqueciam desses fatores e envolvidos com o seu som não deixavam ninguém da Vila parado. A alegria, a empolgação, o gingado no corpo, a simples forma de conduzir os instrumentos, o espírito comunitário, é quem são as notas que em harmonia compõem as apresentações deste grupo musical tradicional. 

 

É interessante analisar esta musicalidade tradicional e peculiar da Amazônia, executada pelo grupo Espanta Cão, bem como destacar as manifestações culturais de um grupo social, mantendo e recriando, reinventando a cultura, caracterizando assim como um elemento de resistência cultural visto sua permanência na atualidade. 

 

Como jornalista e apaixonada pela cultura do interior da Amazônia, estes tipos de conteúdo devem ser divulgados para todo o país, para que desta forma entendermos que somos regidos pelo sincretismo, pela mistura de povos e crenças que podem ser unidas para o bem comum de todos. Dizer o que não foi dito, desvelar novos significados de uma cultura híbrida que vem apresentando novos elementos de ressignificação, como no caso do Espanta Cão, servem como fio condutor para entendermos sobre a essência desse povo que precisa ser mais valorizado. É de extrema importância produzir conteúdo sobre a nossa cultura, como fonte de informação, de validação, divulgação e contribuição para preservação do Patrimônio Cultural. 

 

Existem três elementos dentro dos estudos culturais de Raymond Williams apud Gomes (2011), que explicam as formas estruturadas nas mudanças culturais de uma tradição. São eles: o residual arcaico, o dominante e o emergente. Elementos estes de origens diferentes que configuram qualquer processo cultural. Logo, na Festa do Sairé podemos identificar esses três elementos que são eles: A saudação nos ritos religiosos introduzidos pelos Portugueses; o dominante que são as danças e os ritos de origem indígenas e a derrubada dos mastros e a própria música do Espanta Cão e o emergente, a disputa entre os botos Tucuxi e Cor de Rosa, no Lago dos botos, prática esta que foi introduzida ao longo dos 20 anos na manifestação cultural do Sairé, uma pura estratégia turística que valoriza também lendas regionais e segue rigorosamente um padrão ligada ao que se diz dominante, que são as histórias contadas nas apresentações dos botos. 

Texto de Lana Mota 

Fonte: Portal Santarém 

 

 

 

 

 




Notícias Relacionadas





Entrar na Rede SBC Brasil